O divórcio com filhos representa um dos momentos mais delicados na dissolução de um casamento, pois envolve não apenas a separação do casal, mas também decisões fundamentais sobre o futuro das crianças e adolescentes. Quando há filhos menores ou incapazes, o processo de divórcio ganha complexidade adicional, já que questões como guarda, convivência e pensão alimentícia precisam ser cuidadosamente definidas, sempre priorizando o melhor interesse dos filhos.
No Brasil, o número de divórcios envolvendo casais com filhos tem se mantido significativo. Segundo dados do IBGE, aproximadamente 46% dos divórcios realizados no país envolvem casais com filhos menores de idade. Esta realidade exige atenção especial do sistema jurídico e dos profissionais que atuam na área, para garantir que os direitos das crianças sejam preservados durante e após o processo de divórcio.
A legislação brasileira evoluiu significativamente nas últimas décadas no que diz respeito à proteção dos filhos em casos de divórcio. O Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código Civil e outras leis específicas estabelecem diretrizes claras para garantir que, mesmo com o fim do casamento, os direitos e o bem-estar dos filhos sejam preservados.
Neste artigo, vamos abordar detalhadamente como funciona o divórcio com filhos, explicando os tipos de guarda existentes, como é definida a pensão alimentícia, quais são os direitos e deveres dos pais após o divórcio e como o processo pode ser conduzido da forma menos traumática possível para as crianças.
Índice
- Modalidades de guarda no divórcio
- Como é definida a pensão alimentícia
- Direito de convivência e visitas após o divórcio
- O papel do Ministério Público nos divórcios com filhos
- Divórcio em cartório com filhos: novas possibilidades
- Aspectos práticos do divórcio com filhos
- Perguntas frequentes sobre divórcio com filhos
Modalidades de guarda no divórcio
A definição da guarda dos filhos é um dos aspectos mais importantes no divórcio com filhos. A legislação brasileira prevê diferentes modalidades de guarda, cada uma com suas características específicas.
Guarda compartilhada
A guarda compartilhada é atualmente o modelo preferencial na legislação brasileira, conforme estabelecido pela Lei nº 13.058/2014. Nesta modalidade:
- Ambos os pais participam ativamente das decisões sobre a vida dos filhos
- As responsabilidades parentais são divididas de forma equilibrada
- Os filhos mantêm convivência regular com ambos os genitores
- As decisões importantes sobre educação, saúde e religião são tomadas em conjunto
Exemplo prático: Após o divórcio, Marcelo e Patrícia optaram pela guarda compartilhada de seus dois filhos, de 7 e 10 anos. As crianças moram principalmente com a mãe durante a semana, devido à proximidade da escola, mas passam os finais de semana alternados e uma noite por semana com o pai. Ambos os pais participam das reuniões escolares, levam os filhos a consultas médicas e decidem juntos sobre questões importantes, como a escolha da escola e atividades extracurriculares. Quando um dos filhos precisou de tratamento ortodôntico, eles discutiram juntos as opções e dividiram os custos.
Os juízes têm seguido a tendência nacional de priorizar a guarda compartilhada, mesmo quando há algum nível de conflito entre os pais. Segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial nº 1.626.495/SP, “a guarda compartilhada é a regra no ordenamento jurídico brasileiro, mesmo na hipótese de desacordo entre os genitores”.
A guarda compartilhada não significa necessariamente que o filho morará metade do tempo com cada genitor. Na prática, estabelece-se uma residência base, geralmente com o genitor que tem mais disponibilidade para os cuidados diários, mas com ampla convivência com o outro genitor.
Guarda unilateral
A guarda unilateral, embora não seja mais o modelo preferencial, ainda pode ser aplicada em situações específicas:
- Quando um dos genitores não demonstra condições de exercer a guarda (problemas psicológicos graves, dependência química, violência)
- Quando um dos genitores reside em localidade muito distante
- Quando há comprovado risco à integridade física ou psicológica da criança
- Em casos excepcionais onde a guarda compartilhada se mostre prejudicial ao filho
Exemplo prático: No divórcio de Renata e Carlos, o juiz determinou a guarda unilateral dos filhos para a mãe depois que ficou comprovado que Carlos tinha problemas graves com álcool e já havia sido internado duas vezes para tratamento. Mesmo assim, foi estabelecido um regime de visitas supervisionadas, inicialmente na casa da avó paterna, para manter o vínculo entre pai e filhos. O juiz determinou ainda que Carlos deveria comprovar tratamento contínuo para seu problema, com a possibilidade de revisão da guarda no futuro.
Nesta modalidade, um dos pais detém a guarda física e legal da criança, sendo responsável pelas decisões do dia a dia, enquanto o outro tem direito a visitas regulares e a acompanhar as decisões importantes.
A guarda unilateral tem sido determinada com menos frequência nos últimos anos, seguindo a tendência nacional de priorização da guarda compartilhada.
Guarda alternada
A guarda alternada, embora exista na prática, não é reconhecida formalmente pela legislação brasileira e geralmente não é recomendada pelos especialistas:
- Os filhos passam períodos alternados morando com cada genitor (semanas, meses ou anos)
- Durante cada período, o genitor que está com a criança tem exclusividade nas decisões
- Pode gerar instabilidade emocional para a criança
- Dificulta a rotina escolar e social dos filhos
Exemplo prático: Fernanda e Ricardo decidiram, sem orientação jurídica adequada, que sua filha de 8 anos passaria um mês com cada um, alternadamente. Nos primeiros meses, perceberam que a menina estava tendo dificuldades na escola e demonstrando ansiedade nas transições. A professora relatou que a criança ficava especialmente agitada nos dias que antecediam a mudança de casa. Após uma avaliação psicológica, eles revisaram o acordo e optaram pela guarda compartilhada com residência fixa na casa da mãe e ampla convivência com o pai.
Os tribunais têm evitado determinar a guarda alternada, por considerar que ela não atende ao melhor interesse da criança na maioria dos casos.
Fatores considerados na definição da guarda
Ao decidir sobre a guarda dos filhos, o juiz considera diversos fatores:
- Idade e necessidades específicas dos filhos
- Vínculo afetivo com cada genitor
- Condições dos pais para exercer a guarda (tempo disponível, estabilidade emocional, condições de moradia)
- Opinião dos filhos (considerada conforme sua idade e maturidade)
- Histórico de cuidados anteriores ao divórcio
- Capacidade dos pais de cooperarem entre si
- Proximidade das residências dos genitores
Exemplo prático: No processo de guarda dos filhos de Amanda e Paulo, o juiz solicitou um estudo psicossocial realizado por profissionais do tribunal. Durante as entrevistas, ficou evidente que, embora ambos fossem pais amorosos e competentes, a mãe sempre havia sido a principal responsável pelos cuidados diários, levando as crianças à escola e acompanhando tarefas e atividades extracurriculares, enquanto o pai trabalhava em horários estendidos. As crianças, de 6 e 9 anos, expressaram o desejo de continuar morando com a mãe, mas ver o pai com frequência. O juiz determinou a guarda compartilhada com residência base na casa materna e um amplo regime de convivência com o pai, incluindo finais de semana alternados e duas noites por semana.
É importante ressaltar que questões financeiras não devem ser determinantes para a definição da guarda. O fato de um dos pais ter melhor condição econômica não o torna automaticamente mais apto a deter a guarda dos filhos.
Como é definida a pensão alimentícia
A pensão alimentícia é um direito dos filhos e uma obrigação de ambos os pais, independentemente da modalidade de guarda estabelecida. A pensão alimentícia é definida com base em critérios específicos.
O binômio necessidade-possibilidade
O principal critério para definição do valor da pensão alimentícia é o chamado binômio necessidade-possibilidade:
- Necessidade do alimentando: Despesas com alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, moradia e outras necessidades básicas dos filhos
- Possibilidade do alimentante: Capacidade financeira do genitor que pagará a pensão, considerando sua renda e seus próprios gastos essenciais
Exemplo prático: No divórcio de Luciana e Roberto, foi necessário calcular a pensão alimentícia para os dois filhos do casal, de 5 e 8 anos. A advogada de Luciana apresentou uma planilha detalhada com os gastos mensais das crianças: R$ 1.200 de escola, R$ 400 de plano de saúde, R$ 350 de atividades extracurriculares, além de aproximadamente R$ 1.500 em alimentação, vestuário e outras despesas. Roberto, que trabalhava como gerente comercial com salário de R$ 8.000 líquidos, foi condenado a pagar 30% de seus rendimentos (cerca de R$ 2.400), considerando que Luciana, que ganhava R$ 4.000 como professora, também contribuiria proporcionalmente para as despesas dos filhos.
Este binômio está previsto no artigo 1.694, § 1º, do Código Civil: “Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.”
Formas de definição do valor
O valor da pensão alimentícia pode ser definido de diferentes formas:
- Percentual da renda: O mais comum é estabelecer um percentual sobre o salário ou rendimentos do genitor pagador, geralmente entre 15% e 30% para um filho, podendo aumentar em caso de mais filhos. Exemplo prático: No caso de Henrique, que trabalha com carteira assinada em uma empresa de tecnologia, o juiz determinou que ele pagasse 20% de seu salário líquido como pensão para sua filha única. A pensão é descontada diretamente em folha de pagamento e reajustada automaticamente sempre que há aumento salarial.
- Valor fixo: Em alguns casos, estabelece-se um valor fixo, especialmente quando o pagador tem renda variável ou trabalha informalmente. Exemplo prático: Como Marcos trabalha como autônomo com renda variável, o juiz estabeleceu uma pensão alimentícia de valor fixo de R$ 1.800 mensais para seus dois filhos. Este valor deve ser corrigido anualmente pelo índice de inflação INPC.
- Sistema misto: Combina um valor fixo com um percentual sobre rendimentos extras, como 13º salário, férias e bonificações. Exemplo prático: Na sentença de divórcio de Carla e Eduardo, ficou determinado que ele pagaria uma pensão mensal fixa de R$ 2.000 para os três filhos, mais 30% de qualquer bonificação, participação nos lucros ou 13º salário que recebesse ao longo do ano.
- Divisão de despesas específicas: Além da pensão regular, podem ser estabelecidas divisões de gastos específicos, como escola particular, plano de saúde, atividades extracurriculares. Exemplo prático: Além da pensão mensal de 25% do salário que Daniel paga para o filho, ficou acordado que ele seria responsável por 100% da mensalidade escolar e do plano de saúde, enquanto a mãe arcaria com as despesas de atividades extracurriculares e material escolar.
Quem paga a pensão na guarda compartilhada
Um equívoco comum é pensar que na guarda compartilhada não há pagamento de pensão alimentícia. Na realidade:
- A guarda compartilhada não elimina a obrigação de pensão alimentícia
- O genitor com maior capacidade econômica geralmente paga pensão ao outro
- O valor pode ser reduzido em comparação à guarda unilateral, considerando a divisão de tempo e despesas
- Mesmo com tempo de convivência igualitário, pode haver pensão se houver desproporção significativa entre as rendas dos pais
Exemplo prático: Após o divórcio, Patrícia e Gustavo optaram pela guarda compartilhada de seu filho de 6 anos, com divisão igualitária de tempo (uma semana com cada). Como Gustavo tinha renda mensal de R$ 15.000 como engenheiro, enquanto Patrícia ganhava R$ 4.000 como enfermeira, o juiz determinou que ele pagasse pensão alimentícia de 15% de seus rendimentos, valor menor do que seria fixado em caso de guarda unilateral, mas necessário para equilibrar o padrão de vida da criança nas duas casas.
Segundo decisão do STJ no Recurso Especial nº 1.616.351/SP: “A guarda compartilhada não exime o genitor do dever de prestar alimentos ao filho, quando houver diferença entre as condições econômicas dos genitores.”
Revisão e exoneração da pensão
A pensão alimentícia não é imutável e pode ser revista:
- Revisão para mais: Quando aumentam as necessidades dos filhos (mudança de escola, problemas de saúde) ou melhora a condição financeira do pagador
- Revisão para menos: Quando diminui a capacidade financeira do pagador ou reduzem as necessidades dos filhos
- Exoneração: Quando o filho atinge a maioridade (18 anos) e não está cursando ensino superior, ou ao completar 24 anos mesmo estando na faculdade
Exemplo prático: Quando Ricardo perdeu o emprego e ficou seis meses desempregado, entrou com uma ação de revisão de alimentos, solicitando a redução temporária da pensão que pagava aos filhos. Apresentou comprovantes da rescisão contratual e do seguro-desemprego, e o juiz reduziu a pensão em 40% pelo período de um ano ou até que ele conseguisse novo emprego com salário equivalente, o que ocorresse primeiro. Após conseguir recolocação, a pensão voltou ao valor original.
O pedido de revisão ou exoneração deve ser feito judicialmente, e a pensão anterior continua válida até decisão judicial em contrário.
Direito de convivência e visitas após o divórcio
O direito de convivência (anteriormente chamado de direito de visitas) é fundamental para manter os vínculos afetivos entre os filhos e ambos os pais após o divórcio.
Importância da convivência com ambos os pais
Estudos psicológicos demonstram que a manutenção do vínculo com ambos os genitores é essencial para o desenvolvimento saudável das crianças após o divórcio. A legislação brasileira reconhece este fato no artigo 1.589 do Código Civil: “O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.”
Exemplo prático: Após o divórcio, Fernanda inicialmente resistia em permitir que o ex-marido, João, tivesse contato frequente com a filha de 4 anos. Uma psicóloga que acompanhava a família explicou a importância da presença paterna no desenvolvimento da criança. Com o tempo, Fernanda percebeu que a filha voltava mais feliz e equilibrada dos encontros com o pai. Gradualmente, eles estabeleceram uma rotina de convivência mais ampla, e a menina passou a demonstrar maior segurança emocional e melhor adaptação à nova realidade familiar.
Regimes de convivência mais comuns
Os regimes de convivência mais frequentemente estabelecidos são:
- Fins de semana alternados: O genitor não guardião fica com os filhos em fins de semana alternados, geralmente das 18h de sexta-feira às 18h de domingo Exemplo prático: No acordo de divórcio de Marcelo e Juliana, ficou estabelecido que os dois filhos, de 7 e 9 anos, ficariam com o pai em finais de semana alternados. Marcelo busca as crianças na sexta-feira após a escola e as devolve no domingo à noite, já com as tarefas escolares feitas e prontas para a semana.
- Fins de semana alternados + um dia na semana: Além dos fins de semana alternados, estabelece-se um dia fixo durante a semana para convivência Exemplo prático: Além dos finais de semana alternados, Carlos busca os filhos todas as quartas-feiras após a escola e os leva para jantar, ajuda com as lições de casa e os devolve às 21h. Este contato semanal adicional mantém o vínculo mais constante e permite que ele participe da rotina escolar das crianças.
- Divisão de feriados e férias escolares: Feriados prolongados e férias escolares são geralmente divididos igualmente entre os pais Exemplo prático: No acordo de Amanda e Roberto, as férias escolares de julho são divididas em duas quinzenas, alternando quem fica com a primeira e a segunda parte a cada ano. Nas férias de verão, cada um fica com os filhos por 15 dias consecutivos. Feriados como Natal e Ano Novo são alternados anualmente.
- Livre acesso: Em casos de boa relação entre os pais, pode-se estabelecer um regime de livre acesso, sem horários rigidamente definidos Exemplo prático: Como Patrícia e Eduardo mantêm uma relação amigável após o divórcio e moram a apenas 10 minutos de distância, eles optaram por um regime flexível de convivência. Além dos finais de semana alternados fixos, Eduardo pode visitar ou buscar os filhos sempre que quiser, mediante aviso prévio razoável. Esta flexibilidade permite que ele participe de eventos escolares, jogos esportivos e outras atividades importantes, mesmo quando não é seu “dia oficial”.
- Convivência supervisionada: Em casos excepcionais, quando há risco para a criança, a convivência pode ser supervisionada por terceiros ou em locais específicos Exemplo prático: Após denúncias de comportamento agressivo, as visitas de Paulo à filha de 3 anos foram temporariamente determinadas como supervisionadas. Durante seis meses, os encontros ocorreram quinzenalmente no Centro de Referência da Família, com a presença de uma assistente social. Após Paulo completar um programa de controle da raiva e apresentar laudos psicológicos favoráveis, as visitas supervisionadas foram gradualmente substituídas por um regime normal de convivência.
Convivência na guarda compartilhada
Na guarda compartilhada, o regime de convivência tende a ser mais flexível e amplo:
- Pode-se estabelecer alternância semanal ou quinzenal na residência dos pais
- Divisão de dias da semana (ex.: segunda a quarta com um genitor, quinta a domingo com outro)
- Maior flexibilidade para ajustes conforme a rotina dos filhos e dos pais
- Participação de ambos os pais em eventos importantes (reuniões escolares, consultas médicas, atividades extracurriculares)
Exemplo prático: Na guarda compartilhada estabelecida entre Renata e Marcos, os dois filhos adolescentes, de 13 e 15 anos, alternam semanalmente entre as casas dos pais, com a troca ocorrendo aos domingos à noite. Ambos os pais comparecem juntos às reuniões escolares e eventos importantes. Quando o filho mais velho tem jogos de basquete, independentemente de com quem esteja naquela semana, ambos os pais fazem o possível para assistir. O calendário é flexível e pode ser ajustado quando necessário, como em viagens escolares ou eventos familiares especiais.
Alienação parental e obstrução de convivência
A obstrução do direito de convivência é uma prática grave que pode configurar alienação parental, conforme a Lei nº 12.318/2010. A alienação parental pode gerar consequências jurídicas sérias:
- Advertência judicial
- Ampliação do regime de convivência com o genitor alienado
- Multas
- Acompanhamento psicológico obrigatório
- Em casos extremos, alteração da guarda
Exemplo prático: Após o divórcio, Cristina começou sistematicamente a impedir que Ricardo visse o filho, alegando que a criança estava sempre doente ou com compromissos nos dias de visita. Também passou a falar mal do pai para o filho e a familiares. Ricardo documentou todas as tentativas frustradas de visita e mensagens trocadas, e entrou com uma ação por alienação parental. O juiz determinou acompanhamento psicológico para a família, ampliou o regime de visitas de Ricardo e estabeleceu uma multa de R$ 500 para cada visita injustificadamente impedida no futuro.
O papel do Ministério Público nos divórcios com filhos
O Ministério Público desempenha um papel fundamental nos processos de divórcio com filhos menores ou incapazes, atuando como fiscal da lei e defensor dos interesses das crianças e adolescentes.
Intervenção obrigatória
A intervenção do Ministério Público é obrigatória em todos os processos de divórcio que envolvam interesses de menores ou incapazes, conforme estabelece o artigo 178, inciso II, do Código de Processo Civil: “O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam interesse de incapaz.”
Exemplo prático: No processo de divórcio de Mariana e Felipe, que têm uma filha de 2 anos, após a apresentação do acordo sobre guarda e pensão alimentícia, o juiz determinou a remessa dos autos ao Ministério Público. O promotor de justiça analisou os termos e verificou que o valor da pensão proposto era muito baixo considerando a renda comprovada do pai. Emitiu parecer recomendando o aumento do valor, e o juiz solicitou que as partes ajustassem o acordo antes da homologação.
Funções do Ministério Público no divórcio com filhos
O promotor de justiça designado para atuar em processos de família tem as seguintes funções:
- Análise de acordos: Verificar se os acordos sobre guarda, convivência e pensão alimentícia atendem ao melhor interesse dos filhos
- Emissão de pareceres: Manifestar-se sobre questões relacionadas aos filhos, recomendando ao juiz a melhor solução
- Fiscalização de provas: Acompanhar a produção de provas relacionadas aos interesses dos filhos, como estudos psicossociais
- Propositura de medidas protetivas: Quando necessário, solicitar medidas para proteger os filhos de situações de risco
- Recursos: Interpor recursos contra decisões que considere prejudiciais aos interesses dos filhos
Exemplo prático: Durante o divórcio litigioso de Paulo e Carla, surgiram denúncias de que Paulo teria comportamento violento com os filhos durante as visitas. O Ministério Público solicitou um estudo psicossocial urgente e, com base nos resultados preliminares, pediu ao juiz a suspensão temporária das visitas e o encaminhamento do caso ao Conselho Tutelar. Após investigação mais aprofundada e acompanhamento psicológico, as visitas foram gradualmente retomadas, inicialmente de forma supervisionada.
Estudo psicossocial
Em casos mais complexos de disputa por guarda, o Ministério Público ou o juiz podem solicitar a realização de um estudo psicossocial:
- Realizado por psicólogos e assistentes sociais do juízo
- Inclui entrevistas com os pais, filhos e pessoas próximas
- Visitas domiciliares para avaliar as condições de moradia
- Análise da dinâmica familiar e dos vínculos afetivos
- Elaboração de relatório técnico com recomendações sobre a guarda
Exemplo prático: Na disputa pela guarda dos filhos entre Rodrigo e Vanessa, ambos acusavam-se mutuamente de negligência. O juiz determinou a realização de um estudo psicossocial completo. Durante dois meses, a equipe técnica do tribunal realizou entrevistas com os pais, os três filhos, avós, professores e vizinhos. Também visitaram as residências de ambos e observaram a interação dos pais com as crianças. O relatório final apontou que, embora ambos fossem pais amorosos, a mãe demonstrava maior estabilidade emocional e rotina mais adequada às necessidades das crianças. Com base nesse estudo, o juiz determinou a guarda compartilhada com residência base na casa materna.
Este estudo é uma ferramenta importante para auxiliar o juiz e o Ministério Público a tomarem decisões que realmente atendam ao melhor interesse das crianças.
Homologação de acordos
Mesmo em divórcios consensuais, quando há filhos menores, o Ministério Público precisa se manifestar sobre o acordo antes da homologação judicial:
- Verifica se os termos da guarda são adequados
- Analisa se o valor da pensão alimentícia é suficiente
- Avalia se o regime de convivência proposto atende às necessidades dos filhos
- Pode sugerir ajustes no acordo antes da homologação
Exemplo prático: Luiz e Fernanda apresentaram um acordo de divórcio consensual onde estabeleciam guarda compartilhada dos dois filhos, com residência alternada (uma semana com cada). O Ministério Público emitiu parecer contrário a este modelo, apontando que as crianças, de 4 e 6 anos, precisavam de maior estabilidade. Sugeriu a manutenção da guarda compartilhada, mas com residência fixa e amplo regime de convivência. O casal acatou a sugestão e reformulou o acordo, que foi então homologado pelo juiz.
A Promotoria de Justiça tem atuado de forma diligente na análise desses acordos, buscando garantir que os direitos dos filhos sejam preservados após o divórcio.
Divórcio em cartório com filhos: novas possibilidades
Uma novidade importante é a possibilidade de realizar o divórcio em cartório mesmo quando o casal tem filhos menores, graças à Resolução nº 571/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A mudança trazida pela Resolução nº 571/2024
Tradicionalmente, casais com filhos menores eram obrigados a realizar o divórcio pela via judicial, mesmo quando havia consenso. A Resolução nº 571/2024 do CNJ trouxe uma importante mudança:
- Agora é possível realizar o divórcio em cartório mesmo com filhos menores
- A condição é que as questões relacionadas aos filhos (guarda, visitas e pensão alimentícia) já tenham sido previamente resolvidas e homologadas pelo Ministério Público na esfera judicial
Exemplo prático: Cláudia e Roberto, pais de duas crianças de 5 e 8 anos, decidiram se divorciar amigavelmente. Antes da Resolução nº 571/2024, teriam que fazer todo o processo no Judiciário, mesmo estando de acordo sobre tudo. Com a nova regra, eles primeiro entraram com uma ação judicial apenas para homologar o acordo sobre guarda compartilhada e pensão alimentícia. Após obterem a homologação judicial, com parecer favorável do Ministério Público, puderam concluir o divórcio em cartório, economizando tempo e dinheiro.
Esta mudança representa um avanço significativo na desjudicialização dos processos de família, tornando o divórcio mais ágil e menos burocrático para muitos casais.
Procedimento para divórcio em cartório com filhos
Para realizar o divórcio em cartório quando há filhos menores, é necessário seguir estes passos:
- Obtenção prévia de decisão judicial sobre os filhos:
- Apresentar ao juízo competente uma petição para homologação de acordo sobre guarda, convivência e alimentos
- Aguardar manifestação do Ministério Público
- Obter decisão judicial homologando o acordo Exemplo prático: Antes de ir ao cartório, Patrícia e Marcos contrataram um advogado que elaborou um acordo detalhado sobre a guarda compartilhada dos filhos, regime de convivência e pensão alimentícia. Este acordo foi apresentado ao juiz em uma petição específica. Após o parecer favorável do Ministério Público, o juiz homologou o acordo em uma sentença, que foi utilizada posteriormente no cartório.
2. Procedimento em cartório:
- Reunir a documentação necessária, incluindo a decisão judicial sobre os filhos
- Contratar advogado (pode ser comum a ambas as partes)
- Agendar atendimento no cartório
- Comparecer com o cônjuge e o advogado para assinar a escritura
- Apresentar a decisão judicial que regulamentou as questões relativas aos filhos Exemplo prático: Com a decisão judicial em mãos, Amanda e Ricardo agendaram um horário no cartório de notas. No dia marcado, compareceram com seu advogado, apresentaram a documentação necessária (incluindo a sentença que homologou o acordo sobre os filhos) e assinaram a escritura de divórcio. Todo o procedimento em cartório levou menos de uma hora, e eles saíram de lá já oficialmente divorciados.
Vantagens do divórcio em cartório com filhos
Esta nova possibilidade traz diversas vantagens:
- Economia de tempo: O divórcio em cartório é muito mais rápido que o judicial
- Redução de custos: As taxas cartorárias geralmente são menores que as custas judiciais
- Menos burocracia: Procedimento simplificado após a homologação do acordo sobre os filhos
- Desafogamento do Judiciário: Redução do número de processos nas varas de família
Exemplo prático: Enquanto o divórcio judicial de seus amigos levou oito meses para ser concluído, mesmo sendo consensual, Fernanda e Gustavo conseguiram finalizar todo o processo em apenas dois meses: um mês e meio para obter a homologação judicial do acordo sobre os filhos e apenas duas semanas para concluir o divórcio em cartório. Além da economia de tempo, eles gastaram aproximadamente 40% menos em taxas e honorários advocatícios.
Aspectos práticos do divórcio com filhos
Além das questões legais, existem aspectos práticos importantes a serem considerados no divórcio com filhos.
Comunicação com os filhos sobre o divórcio
A forma como os pais comunicam o divórcio aos filhos pode impactar significativamente como eles lidarão com a situação:
- Idealmente, a comunicação deve ser feita por ambos os pais juntos
- A mensagem deve ser adaptada à idade e maturidade dos filhos
- É importante enfatizar que o divórcio é uma decisão dos adultos e não culpa dos filhos
- Os filhos precisam ser assegurados de que continuarão sendo amados e cuidados por ambos os pais
Exemplo prático: Quando decidiram se divorciar, Luciana e Eduardo consultaram uma psicóloga infantil sobre como contar aos filhos de 6 e 9 anos. Seguindo as orientações, sentaram-se com as crianças em um momento tranquilo e explicaram, em linguagem simples e direta, que haviam decidido não morar mais juntos, mas que continuariam sendo pais e amando-os igualmente. Responderam às perguntas das crianças com honestidade, explicaram como seria a nova rotina e asseguraram que estariam sempre presentes na vida deles. Nas semanas seguintes, mantiveram-se atentos às reações emocionais dos filhos e ofereceram apoio adicional quando necessário.
Adaptação à nova rotina
O período de adaptação após o divórcio pode ser desafiador para os filhos:
- Estabelecer rotinas previsíveis em ambas as casas ajuda a criar segurança
- Manter algumas regras e hábitos consistentes entre as duas casas
- Respeitar o tempo de adaptação de cada criança
- Estar atento a sinais de dificuldade de ajustamento (problemas escolares, alterações de comportamento, sintomas físicos)
Exemplo prático: Após o divórcio, Marcelo e Patrícia criaram um calendário visual colorido para os filhos de 5 e 7 anos, mostrando claramente quando estariam na casa do pai e da mãe. Mantiveram horários semelhantes para refeições e sono em ambas as casas, e estabeleceram um ritual de transição (levar um brinquedo ou objeto de conforto de uma casa para outra). Também criaram um grupo de WhatsApp específico para tratar de assuntos relacionados aos filhos, mantendo uma comunicação eficiente sobre questões escolares, médicas e atividades. Estas medidas ajudaram as crianças a se adaptarem mais facilmente à nova realidade.
Mediação familiar
A mediação familiar pode ser uma ferramenta valiosa para casais com filhos que estão se divorciando:
- Ajuda a estabelecer uma comunicação mais eficiente entre os pais
- Facilita a construção de acordos que realmente atendam às necessidades dos filhos
- Reduz o nível de conflito, beneficiando o bem-estar emocional das crianças
- Pode ser utilizada não apenas durante o divórcio, mas também para resolver conflitos posteriores
Exemplo prático: Quando começaram a discutir sobre a mudança de escola do filho, Carlos e Renata perceberam que não conseguiriam chegar a um acordo sozinhos. Em vez de entrarem com ações judiciais, buscaram um mediador familiar. Durante três sessões de mediação, puderam expor seus pontos de vista, preocupações e expectativas em um ambiente neutro e facilitado. O mediador ajudou-os a focar nas necessidades educacionais do filho e a explorar diferentes opções. Ao final, chegaram a um acordo sobre a escolha da escola que realmente atendia aos interesses da criança, evitando um desgastante conflito judicial.
Apoio psicológico
O divórcio pode ser emocionalmente desafiador tanto para os pais quanto para os filhos:
- Considerar acompanhamento psicológico para os filhos durante o processo
- Buscar apoio terapêutico também para os pais, se necessário
- Grupos de apoio para crianças com pais divorciados podem ser benéficos
- Terapia familiar pode ajudar a estabelecer novos padrões de relacionamento
Exemplo prático: Percebendo que sua filha de 10 anos estava mais quieta e tendo dificuldades na escola após o divórcio, Amanda buscou ajuda de uma psicóloga infantil. Nas sessões, a menina pôde expressar seus medos e tristezas em um ambiente seguro. A psicóloga também realizou algumas sessões com Amanda e seu ex-marido, orientando-os sobre como apoiar melhor a filha durante este período. Após alguns meses de acompanhamento, a criança demonstrou melhora significativa em seu ajustamento emocional e desempenho escolar.
Perguntas frequentes sobre divórcio com filhos
Quem fica com a guarda dos filhos no divórcio?
Atualmente, a legislação brasileira prioriza a guarda compartilhada, onde ambos os pais mantêm a responsabilidade legal pelos filhos e participam ativamente das decisões sobre sua vida. A guarda unilateral só é determinada em casos excepcionais, quando um dos pais não tem condições de exercer a guarda ou quando a compartilhada se mostra prejudicial ao filho.
Exemplo prático: No divórcio de Fernanda e Ricardo, ambos demonstraram ser pais presentes e comprometidos com o bem-estar dos filhos. Apesar de algumas divergências iniciais, o juiz determinou a guarda compartilhada, estabelecendo que as crianças teriam residência fixa com a mãe durante a semana, devido à proximidade da escola, e passariam os finais de semana alternados e uma noite por semana com o pai. Ambos participariam igualmente das decisões importantes sobre educação, saúde e outras questões relevantes.
Como é calculada a pensão alimentícia para os filhos?
A pensão alimentícia é calculada com base no binômio necessidade-possibilidade, considerando as necessidades dos filhos e a capacidade financeira dos pais. Não existe um percentual fixo estabelecido em lei, mas geralmente varia entre 15% e 30% dos rendimentos do genitor pagador para um filho, podendo aumentar em caso de mais filhos.
Exemplo prático: No caso de Paulo, que tem um filho de 7 anos e trabalha como engenheiro com salário de R$ 10.000, o juiz determinou pensão alimentícia de 20% de seus rendimentos líquidos (R$ 2.000), considerando que a criança estuda em escola particular e pratica esportes. Além disso, Paulo ficou responsável por 50% das despesas médicas não cobertas pelo plano de saúde e 50% do material escolar no início do ano letivo.
Os filhos podem escolher com qual dos pais querem morar?
A opinião dos filhos é um dos fatores considerados pelo juiz, mas não é determinante. O peso dado à preferência da criança aumenta conforme sua idade e maturidade. Adolescentes geralmente têm sua opinião mais considerada que crianças pequenas, mas a decisão final sempre busca o melhor interesse do menor, não necessariamente sua preferência imediata.
Exemplo prático: Durante o processo de divórcio de Mariana e Henrique, seu filho de 14 anos expressou claramente o desejo de morar com o pai, com quem compartilhava mais interesses e atividades. A filha de 8 anos, por outro lado, demonstrava maior apego à mãe. Após avaliação psicossocial, o juiz determinou a guarda compartilhada, mas respeitando a preferência do adolescente de ter residência base na casa paterna, enquanto a menina ficaria principalmente com a mãe. Foi estabelecido um regime de convivência que permitia que os irmãos passassem tempo juntos regularmente.
O que acontece se um dos pais se mudar para outra cidade?
A mudança de cidade de um dos genitores pode impactar significativamente o regime de guarda e convivência. Se a mudança inviabilizar a guarda compartilhada, pode ser necessário revisar judicialmente os termos estabelecidos. Geralmente, busca-se compensar a distância com períodos mais longos de convivência durante férias e feriados.
Exemplo prático: Quando Carla recebeu uma proposta de emprego em outra cidade, a 500 km de distância, foi necessário revisar o acordo de guarda compartilhada dos filhos. Como a mudança inviabilizava a convivência semanal com o pai, o juiz determinou que as crianças permaneceriam com residência fixa com a mãe, mas passariam com o pai todos os feriados prolongados, metade das férias escolares e duas semanas por trimestre. Também foi estabelecido contato por videochamada três vezes por semana. O pai foi compensado com redução no valor da pensão alimentícia, considerando os novos gastos com transporte para visitar os filhos.
É possível fazer divórcio em cartório quando há filhos menores?
Sim, desde a Resolução nº 571/2024 do CNJ, é possível realizar o divórcio em cartório mesmo quando há filhos menores, desde que as questões relacionadas a eles (guarda, visitas e pensão alimentícia) já tenham sido previamente resolvidas e homologadas pelo Ministério Público na esfera judicial.
Exemplo prático: Após decidirem pelo divórcio consensual, Rodrigo e Vanessa, pais de um menino de 6 anos, primeiro entraram com uma ação judicial apenas para homologar o acordo sobre guarda compartilhada, regime de convivência e pensão alimentícia. Com a decisão judicial em mãos, contendo o parecer favorável do Ministério Público, dirigiram-se ao cartório de notas e realizaram o divórcio em apenas um dia, apresentando a sentença que já havia resolvido as questões relacionadas ao filho.
Conclusão
O divórcio com filhos representa um desafio significativo para as famílias, exigindo cuidados especiais para garantir que os direitos e o bem-estar das crianças sejam preservados. A legislação brasileira evoluiu consideravelmente nas últimas décadas, priorizando a guarda compartilhada e a manutenção dos vínculos com ambos os pais.
Independentemente da modalidade de guarda estabelecida, é fundamental que os pais compreendam que o divórcio encerra a relação conjugal, mas não a relação parental. A cooperação entre os genitores, mesmo após a separação, é essencial para o desenvolvimento saudável dos filhos.
A recente possibilidade de realizar o divórcio em cartório mesmo quando há filhos menores representa um avanço importante, simplificando o processo para casais que conseguem chegar a um acordo sobre as questões relacionadas aos filhos.
Por fim, é importante lembrar que cada família é única, e as soluções para o divórcio com filhos devem ser personalizadas, considerando as necessidades específicas de cada criança e a realidade de cada família. O apoio de profissionais especializados, como advogados familiaristas, psicólogos e mediadores, pode ser fundamental para encontrar os melhores arranjos e minimizar o impacto emocional do divórcio sobre os filhos.
Referências
- Código Civil Brasileiro – Lei nº 10.406/2002
- Lei da Guarda Compartilhada – Lei nº 13.058/2014
- Lei de Alienação Parental – Lei nº 12.318/2010
- Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/1990
- Resolução nº 571/2024 do Conselho Nacional de Justiça
- Superior Tribunal de Justiça – Jurisprudência sobre Guarda Compartilhada